terça-feira, 4 de agosto de 2009

PAPA DE ARROZ: uma lição de sutileza


As melhores coisas da vida são simples: sol da manhã, paisagens verdes, céu muito azul, córregos cantando baixinho a melodia da água, grandes cachoeiras, onde se lava a poeira da vida, alguém que passa e sorri, um gato dormindo ao sol, um cão que acompanha a caminhada, flores, aromas, passarinhos cantando e voando, ar fresco, a música, o silêncio... As melhores comidas da vida também são simples. Arroz, por exemplo. Metade da população da Terra come arroz, e do mesmo jeito: cozido com água e sal. E ainda que existam alguns tipos diferentes de arroz (de grão curto ou comprido, mais grudentos ou menos), o que faz diferença é ser integral. O arroz integral só perdeu a casquinha de palha que o protege na espiga. O branco perdeu também a película que reveste o grão, rica em vitaminas B, minerais e fibras.

Ele já era cultivado na Índia há 5000 anos. Foi se espalhando em direção ao Ocidente, chegou à Europa na Idade Média e os descobridores o trouxeram para a América. Aqui já tínhamos feijão. Pronto: surgiu a mistura mais gostosa do mundo. Mas arroz também se come sozinho, por gosto ou tradição, e ainda como alimento medicinal. Saboroso, delicado, um bálsamo para estômago e intestinos, desintoxicante, fortalece o ch'i -- energia vital -- e o sangue e harmoniza o meridiano triploaquecedor. Quando usado em sopa ou papa, é diurético. E a tal da papa de arroz integral... é simplesmente dos deuses! Ao longo de várias horas de cozimento, o amido do arroz vai se desmanchando e forma um creme na superfície, enquanto no fundo permanecem as fibras mais mastigáveis. O cozimento prolongado facilita a digestão e a assimilação dos nutrientes, proporcionando uma sensação de grande bem-estar.

Para fazer, basta uma panela grossa e uma chapa ou difusor de calor para colocar por baixo. A quantidade de água vai depender da altura do fogo. Pode começar com uma parte de arroz integral, oito de água, uma pitada de sal, fogo alto até ferver, depois o mais baixo possível. O ideal é a panela tampada, mas às vezes há que deixar uma frestinha. Tempo: no mínimo três horas. Para bebês, velhinhos, convalescentes e monges zenbudistas, de seis a oito horas. Tem que mexer de vez em quando para o arroz não grudar muito no fundo (um pouco sempre gruda) e colocar mais água se for o caso. A primeira vez é sempre mais difícil: lembre-se de que a paciência é a mãe de todas as virtudes! Enfim, está pronta? Então, comer. Ideal para substituir o café da manhã, fica ótima com gersal (gergelim levemente torrado e moído com sal) e salsinha picada. Melhor ainda com cebolinha verde refogada num pingo de azeite e temperada com molho de soja. Pode ser qualquer outra folha, acelga, chicória, repolho, agrião, nirá: o verde leva para dentro vitaminas, minerais e a preciosa clorofila, que nutre e limpa.

O sabor da papa de arroz é de uma delicadeza tão grande que parece comida de anjo, o que acaba produzindo mais um efeito importante: a limpeza do paladar. Assim como não se escuta um passarinho na barulheira da avenida, uma boca acostumada a temperos fortes acha sem graça qualquer sabor mais suave. E no entanto é a suavidade do alimento que pacifica o corpo e a mente, abrindo espaço para experiências mais sutis. Outra sutileza, então: agora que a papa está pronta, retire um pouco do creme e ponha numa tigela. Cozinhe algumas maçãs durante vinte minutos na panela de pressão, amasse a polpa e ponha sobre o creme. Pode servir quente ou frio, como lanche, desjejum, sobremesa ou ceia, e acrescentar ameixa-preta em calda de gengibre, ou não. Dá certo de qualquer jeito porque é simples. Como as melhores coisas da vida.

A jornalista e pesquisadora Sonia Hirsch é autora de livros sobre culinária natural, alimentação e saúde.

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