Ser cigano é saber que a maior riqueza é ser "O Filho das Estradas" e a maior felicidade é a liberdade que ela proporciona...
sexta-feira, 24 de julho de 2009
RAPTADO PELOS CIGANOS
Uma piedosa mãe rezava todas as manhãs com o seu filhinho uma linda oração ao Anjo da Guarda. À força de tanto a repetir, com as mãozinhas entre as mãos da mãe, apesar de contar só três anos e meio de idade, ele aprendeu-a de cor: “Querido Anjo, Anjo santo, tu és o meu guarda e estás sempre a meu lado. Diz ao Senhor que quero ser bom e que do seu alto trono me proteja. Guia-me sempre pelo bom caminho, com todos os meus queridos. Assim seja”.
Numa manhã de Abril desse ano de 1894 – faz agora 109 anos – meia hora depois de ter tomado o café da manhã, o rapazinho saiu para o campo, para brincar. Fazia cabriolas com o cachorrinho, quando por ali passou uma caravana de ciganos.
O habitual espetáculo : uma carroça desconjuntada, puxada por dois jumentos, um bando de mulheres despenteadas e com vestidos garridos até aos pés, crianças, dois homens, um a guiar a carroça, outro atrás, na porta, tudo num ambiente de miséria.
Uma cigana, ao ver aquela flor de criança no prado, começou a chamá-la, mansamente, mostrando uns rebuçados (doces, balas).
O menino aproximou-se e a cigana desceu do carro, continuou a distribuir doces. Quando já tinham deixado longe a povoação, agarrou-o e meteu-o dentro da carroça, e vá de correr pela estrada afora.
Ao ver-se no meio daquela gente desconhecida, o pequenito começou a berrar desesperadamente, mas era tarde demais. O homem, que ia à porta, tapou-lhe a boca com a mão e impôs-lhe silêncio, com a ameaça de lhe bater se não se calasse. A caravana andou de terra em terra, atravessando campos e povoações.
Depois dos primeiros dias de agonia, o pobre menino foi-se resignando com a sua triste sorte. Parecia já um autêntico ciganinho. A cara suja, os cabelos desgrenhados, a roupa esfarrapada e nos olhos uma saudosa tristeza. Os patrões ensinaram-lhe alguns exercícios e habilidades, e empregaram-no a pedir esmola, provocando com o seu encanto a compaixão do povo. Assim se passaram quatro longos anos.
O miúdo, agora um rapazinho de 7 anos, sentia que aquela não era a sua família. Lembrava-se da sua casa, do jardim, do cachorrinho com que brincava; sobretudo, não podia esquecer a sua querida mãe, que o apertava ao colo, lhe dava mil beijos, chamando-lhe “meu amorzinho”. Certo dia fugiu da caravana, correu, correu muito, pelos caminhos fora, até cair cansado na valeta da estrada. Passando por ali umas bondosas pessoas, recolheram-no e levaram-no para a cidade mais próxima, entregando-o na Esquadra da Polícia, onde lhe deram de comer e o deitaram para descansar e dormir.
Na dia seguinte, o Chefe da Polícia conversou amigavelmente com ele, para conhecer bem a sua situação.
Começou por suspeitar que uns pais sem coração o tivessem abandonado. Perante as respostas do petiz descartou esta hipótese.
– Como te chamas?
– Franz.
Aquele não podia ser um autêntico nome francês.
Por isso o Comandante insistiu:
– Franz e que mais?
– Só sei assim.
– E a tua mãe como te chamava?
– Meu filhinho, meu amorzinho!
– Donde és?
– Não sei.
Saído de casa aos três anos, não era de admirar que não se lembrasse de mais pormenores. Além disso, a sua vida de cigano tinha-o amedrontado e destroçado. A sua linguagem era vacilante, e o modo de se exprimir, lento e difícil.
– És capaz de dizer alguma coisa da tua mãe, antes de eles te terem apanhado?
– Só me lembro da minha mãe, do jardim e do cachorro. – E como era a tua mãe?
– Muito linda! Era a minha mamã.
– Como se chamava?
– Assim: mamã.
– E o teu pai, quem é? Como se chamava?
– Não sei.
Uma vez que todas as outras tentativas se tinham manifestado vãs, o Comandante começou a brincar com o pequenito, para ver se conseguia mais algum dado que o fizesse sair daquele círculo fechado: um jardim, um cachorro e as saudades da sua querida mãe.
Finalmente a uma pergunta do Comandante, o rapazito respondeu que se lembrava duma oração ao Anjo da Guarda, que a mãe lhe tinha ensinado e que ele próprio rezava muitas vezes, até na carroça dos ciganos.
– És capaz de a dizer agora?
– Sim.
– Gostaria de a ouvir. Vá, diz a oração!
O pequenito levantou-se, ergueu as mãos, olhou para o ar e começou:
– “Querido Anjo, Anjo santo tu és o meu guarda que sempre a meu lado...”
O Comandante e os outros polícias aproximaram-se, enquanto o petiz continuava firmemente a oração até ao fim: “...com todos os meus queridos. Assim seja”.
– Isto – declarou o Comandante para os colegas – pode ser pista que nos leve ao fim desejado. Voltando-se para o pequeno, disse-lhe:
– Bravo, meu rapaz! A tua oração é muito bonita. És capaz de repetir?
– Sim, eu sou.
E o Comandante deu esta ordem ao Secretário:
– Escreva tudo. Com a ajuda de Deus espero bom resultado.
A oração ficou escrita tal como a tinha ouvido. Entretanto, o pequeno foi entregue a gente de confiança para que o vestisse, alimentasse e procurasse colher mais algumas informações. Se, por ventura, as obtivessem, deveriam comunicá-las à Polícia.
Não havendo naquele tempo rádio, televisão ou telefone, o Chefe da Polícia valeu-se do único meio ao seu dispor: o telégrafo. E mandou telegramas para os principais jornais da França. A notícia apareceu com os poucos dados até então conseguidos e a transcrição de apenas metade da oração ao Anjo da Guarda. A segunda parte ficaria como prova para se conseguir saber quem eram na verdade os pais.
Numa povoação da região do Mosa, talvez avisada por outras pessoas ou, por graça de Deus, uma boa mulher veio a saber que nos jornais tinha aparecido a notícia do aparecimento dum rapazinho de sete anos, que sabia rezar uma desconhecida oração ao Anjo da Guarda, da qual se transcrevia uma parte. A boa senhora exultou de alegria: aquela era a oração que ela tinha ensinado tantas vezes ao seu filhinho desaparecido misteriosamente há quatro anos. Nossa Senhora tinha escutado as suas orações.
Apresentou-se na esquadra da Polícia e afirmou:
– O rapazinho encontrado é certamente o meu filho Eugênio.
– Vamos ver se é verdade – responderam os frios homens da lei, enquanto lhe pediram que dissesse a oração até ao fim.
Confrontando as palavras da mulher com a cópia inteira que todas as esquadras da Polícia tinham recebido, reconheceram que havia inteira coincidência, mesmo até às palavras finais, não publicadas nos jornais, mas recebidas na esquadras.
A prova era indubitável! A feliz mãe parte, para a terra onde se encontrava redivivo o filho de tantas orações. A mãe e o pequenino abraçaram-se alegremente. Rezaram mais uma vez a oração ao Anjo da Guarda, que tinha servido de pista para se encontrarem.
Ainda que pareça um romance, este caso aconteceu realmente. O rapto do petiz verificou-se em Abril de 1894 e o seu encontro, quatro anos mais tarde, em 1898. O pequeno chamava-se Eugène Loup (Eugénio Lobo), tendo sido apanhado pelos ciganos em Fains, povoação entre Reims e Nancy. O encontro com a mãe verificou-se na cidade Amiens.
Fonte: Revista “Cruzada” – Braga, Portugal – Outubro – 2002 – pgs. 273-276.
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